Seu filho tem febre! Você faz um antitérmico e logo depois a febre está de volta! Ou, então, a febre já se inicia muito alta: isso é razão para o desespero?!

Porque nós tentamos baixar a temperatura corporal em uma criança com febre? Existe alguma situação em que a febre é mesmo perigosa?!
Ou, por outro lado, se a febre é uma resposta natural do organismo à infecção devemos mesmo tentar reduzí-la?!
O que sabemos sobre isso?! O que devemos fazer?!
#1. Qual o perigo de se ter febre?!
A febre é definida na maioria das referências brasileiras como temperatura axilar ≥ 37.8ºC.
É uma das situações que os pais mais temem quando a criança está doente (disputa com a tosse e a possibilidade de meningite na lista das preocupações mais frequentes).
E essa preocupação tem um motivo:
Muitos pais acreditam que a febre possa causar lesão cerebral ou coma, além do tão temido receio de convulsão febril e da desidratação.
E uma série desses medos é alimentado também por nós, profissionais de saúde.
É verdade que temperaturas muito altas podem causar lesão no organismo?!
Sim! Temperaturas acima de 41.5ºC são vistas em casos de hipertermia (quando a temperatura do corpo sobe por um motivo não controlado pelo centro regulador da temperatura corporal. Ou seja, quando o centro falha! Um exemplo?! Exposição por tempo prolongado a um ambiente muito quente sem hidratar o suficiente!).
Essas elevações podem causar, inclusive, lesão cerebral.
A febre, ao contrário, é uma elevação controlada da temperatura corporal. Dessa maneira, aumentos perigosos da temperatura são excepcionalmente encontrados (se é que isso acontece!) em crianças com doenças febris.
Só para se ter uma idéia: em uma revisão que considerou estudos até 2013, não foi encontrado nenhum relato de que a febre tenha sido, por si mesma, lesiva!
O medo da febre resulta dessa confusão: o que pode causar dano ao organismo de uma criança febril é a doença que a acometeu (claro! a depender da doença!) e não o aumento de temperatura em si!
#2. A criança com febre alta tem maior chance de ter uma doença grave?!

Depende! Temperaturas acima de 39ºC tendem a estar associadas a doenças mais sérias em crianças menores de 6 meses de idade. Já nas menores de 3 meses, a febre, independente do máximo de temperatura, é sempre um sinal de alerta. Simplesmente porque essa faixa etária é a mais vulnerável às infecções.
Para crianças maiores de 6 meses, a relação entre temperatura atingida e gravidade da doença é fraca!
Ou seja: existem doenças virais benignas e auto-limitadas que cursam, caracteristicamente, com febre alta.
Por outro lado, existe doenças graves que não cursam com nenhum aumento de temperatura em particular.
O avanço do programa de imunizações foi um dos grandes responsáveis pela diminuição da mortalidade por causas infecciosas na infância. Hoje, dispomos de uma ampla proteção contra uma série de doenças antes não preveníveis.
Algumas mudanças aconteceram a partir de 2016 no calendário básico. Essas mudanças podem ser encontradas em nosso artigo anterior: O que mudou no calendário de vacinação do seu filho?
#3. Qual a vantagem de baixar a febre do seu filho?!
Já se convenceu de que a febre em si não é perigosa?!
Se sim, existe algum motivo para baixar a temperatura da criança?
Um desses motivos é que, geralmente, no momento da febre, a criança fica desconfortável! Passa a se alimentar pior e a dormir um sono agitado, por exemplo.
Outro resultado da resposta inflamatória que origina a febre é provocar dor e indisposição na criança.
A maioria dos antitérmicos que utilizamos tem também propriedades analgésicas (melhoram a dor)!
E esses são motivos bastante razoáveis para baixar a febre de uma criança, não concordam?!
Mas e a convulsão febril?! Não é importante prevení-la?!
Até onde sabemos, antitérmicos não são capazes de prevenir a convulsão febril!
Os antitérmicos facilitam a perda de calor pelo corpo, mas não retardam a elevação da temperatura (não impedem a produção de calor pelo organismo). Essas medicações também não aumentam o limiar para convulsão no estágio inicial da febre. E esses são os dois fatores desencadeadores da convulsão febril.
Provavelmente, por essa razão, o antitérmico não é eficaz em prevení-la.
#4. Considerando que a febre é parte da resposta natural do corpo à infecção, deveríamos tentar mesmo baixar a febre da criança a qualquer custo?!
Se a febre é parte natural da resposta do organismo à infecção deveríamos nos perguntar: porque o corpo faz isso? Existe alguma vantagem?!
E a resposta é sim! Existe uma razão biológica e evolutiva para isso!
Alguns trabalhos mostram que temperaturas acima de 37ºC prejudicam o crescimento de bactérias e a replicação de vírus.
Além disso, a febre melhora a resposta da nossa defesa, inclusive, com uma maior produção de anticorpos.
Em resumo, a teoria nos diz: deixe a febre seguir o seu curso!
Não utilize antitérmico com o único objetivo de reduzir a temperatura corporal de seu filho.
Não deveríamos, a princípio, medicar uma criança automaticamente pela febre, se o aumento da temperatura não vier acompanhado de desconforto ou indisposição.
#5. Os meios físicos de baixar a temperatura são eficazes?!

Maneiras tradicionais de baixar a temperatura, como banhos frios, compressas de gelo, retirar a roupa da criança e descobrí-la trazem benefício?
Vamos pensar juntos: até aqui, chegamos a conclusão de que o principal motivo para medicar a criança que tem febre é diminuir o seu desconforto e aliviar seu sofrimento.
E vimos também que a febre é uma resposta controlada pelo centro regulador da temperatura, que estabelece um novo alvo para a temperatura do corpo.
O que teremos, então, se utilizarmos os métodos tradicionais?!
Provavelmente, aumentaremos o desconforto da criança! Pioraremos sua sensação de frio e mal-estar. Exatamente o oposto do que pretendemos, certo?!
E, ainda, criaremos um obstáculo ao organismo: o corpo recebe um comando central para aumentar sua temperatura e o faremos gastar ainda mais energia na tentativa de atingí-la.
#6. E os antitérmicos?! São eficazes?!
Sim! Os antitérmicos agem “resetando” o centro regulador da temperatura. Ele diz ao organismo: “pode voltar para sua temperatura normal!”.
Além disso, vamos lembrar, têm ação analgésica e agem no controle da dor.
Aqui, dois lembretes são importantes:
O AAS infantil (ácido acetilsalicílico) não é mais utilizado na população pediátrica como antitérmico. Existe uma rara, mas grave associação na infância denominada síndrome de Reye (inflamação cerebral rapidamente progressiva) potencialmente fatal.
O ibuprofeno é contraindicado em casos suspeitos de dengue devido ao seu potencial de agravar a forma hemorrágica da doença.
Veja mais sobre como evitar a picada do mosquito da dengue em: 10 tópicos que você precisa saber sobre o vírus Zika (tópico #9).
#7. Usar dois antitérmicos é melhor do que usar um?!
A estratégia de intercalar antitérmicos diferentes pode ser utilizada como maneira de tratar o desconforto causado pela febre caso a primeira medicação não tenha sido eficaz por tempo suficiente.
Existem estratégias e medicações variadas que podem ser utilizadas. Siga a orientação de seu pediatra caso isso seja necessário.

#8. Da evidência à ação
Finalmente, a evidência mostra que estamos indo na contramão do conhecimento adquirido nas últimas décadas.
Culturalmente, a febre tem um grande impacto em nossa sociedade.
Quando nós, profissionais de saúde, recomendamos aos pais que tratem de maneira agressiva a febre passamos a mensagem de que ela é perigosa e de que medicá-la é benéfico.
Mudar a prática liberal do uso de antitérmicos e o medo que desenvolvemos da febre é um desafio que devemos encarar com o que a literatura nos disponibiliza.
Fontes:
1. Richardson, M., Pursell, E. Who`s afraid of fever? Arch Dis Child September 2015 Vol 100 No 9
2. El-Radhi ASM. Why is the evidence not affecting the practice of fever management? Arch Dis Child 2008;93:918–20.
3. Mark A Ward, Morven S Edwards. Fever in infants and children: Pathophysiology and management. UptoDate Jan 2016