“Normalmente, diante da atitude hostil […], repreendem-na, ponderam com ela, tentam provar-lhe, doce ou rudemente, que seu comportamento é egoísta, feio e desagrada ao adulto.
Que tremendo erro!”
Françoise Dolto
#1. O que é a birra infantil?
A birra significa simplesmente que você tem uma criança frustrada à sua frente.
As destrezas e habilidades da criança nem sempre acompanham o ritmo de sua curiosidade. E elas se frustram quando não lhes é permitido mexer na tomada ou por não poderem escalar a mesa da sala.
A criança pequena é naturalmente curiosa. Assume uma posição ativa de exploração e descoberta. E ela não aceitará um “não” (que interrompe sua atividade e a recoloca em uma posição passiva) sem oferecer resistência.
#2. “Não” é não
A meu ver, só existem dois motivos para se dizer “não” a uma criança:
- Nossa interpretação de que ela está fazendo algo que é perigoso para ela mesma ou para os outros e que algum dano possa advir da situação
ou
- A atitude da criança está desrespeitando o direito das outras pessoas (incluindo o nosso) e não é socialmente aceitável. Como dito no poema, a liberdade de cada um acaba onde começa a liberdade de outrem.
Não vejo outro motivo pelo qual deveríamos impor proibições e importunar a vida da criança.
Não há dúvidas de que os pais devem ser firmes e trabalhar com algumas regras no dia a dia. Mas isso não significa incorrer no autoritarismo. O “não pode” deve ser usado para o que realmente é importante.
E justamente por seus bons efeitos, a palavra não deve ser desperdiçada em situações completamente desnecessárias. Quando usado sem moderação, o “não” perde força e convida à desobediência. Por exemplo, se a criança começa a desarrumar a sala logo após uma arrumação, os pais não precisam necessariamente proibi-la, mas podem deixar claro que ela terá que ajudar a arrumar tudo depois.
Algumas coisas podem e devem ser negociadas com a criança.
Afinal, será que 10 minutinhos a mais no parquinho é um grande transtorno?
Essa flexibilidade pode ser benéfica.
Para manter as regras, é fundamental também facilitar para que elas sejam cumpridas: se você quer que o se filho se comporte em um lugar público, não vai deixá-lo horas sentado em um restaurante cheio de adultos ou esperar que ele fique calminho em uma longa fila de banco.
Não se deve cobrar mais do que a criança pode oferecer.
Criança precisa de rotina, gosta de saber o que vai acontecer, o que pode e não pode fazer. Dá segurança e é transmissão de afeto.
Não ter essa referência de limites é como confundir a criança quanto aos valores da família: consegue imaginar como seria caótico um lar em que o certo e o errado se misturam e não estão claros?
#3. A justiça não é deste mundo

As crianças podem se sentir o centro do universo. Por isso, ser contrariado por uma figura de amor, como mãe e pai, pode ser bastante difícil (e importante).
A birra é uma ótima ocasião para os pais trabalharem a aceitação do filho à frustração, orientando, explicando, enfim, ajudando para que ele supere essa fase.
Encoraje-o a encontrar sozinho os meio de acomodar-se ao inevitável, sem seu auxílio, do qual não necessita.
Se um filho se sente desfavorecido em algum ponto, não procure negar o fato.
A justiça não é deste mundo.
Se você tenta justificar-se junto aos seus filhos, protestando sua sadia sensação de justiça, isso apenas agravará a situação.
O que quer que você faça, eles nunca se sentirão tratados com a devida justiça. Simplesmente, porque a justiça para eles seria serem tratados de acordo com seus desejos e apetites e não segundo os mesmos pesos e medidas.
Portanto, admita sempre que você não é justa, que o mundo não é justo e que você é desse mundo.
Não banque a polícia e não administre a justiça.
Tampouco, diga-lhe que se ela não se comportar o médico lhe dará uma injeção (os pediatras não fazem isso).
Deixe-a fazer a birra, não fale muito, espere passar, proteja-a para que não se machuque e quando ela estiver mais calma, aí sim, converse.
Quando as figuras de referência se mantêm calmas, a segurança é reestabelecida e a criança pode driblar a frustração do momento e seguir em frente.
Deixo aqui um link do site Webfilhos bastante interessante sobre a birra infantil.
#4. “Sou do tamanho do que vejo. E não, do tamanho da minha altura”.

Dar nome ao que a criança está passando pode ajudá-la a se controlar. Assegurá-la de que ela está sendo, de alguma forma, compreendida, é importante.
Por isso, o adulto deve explicar que a compreende, mas que agora não é possível ter o que ela quer, pela razão que for.
Descobrir as razões infantis também é importante. Às vezes, a criança pode mudar de comportamento por uma razão não aparente inicialmente, como o nascimento de um irmão ou a volta da mãe ao trabalho.
Ao ser questionada, a criança vai explicar com mais ou menos recursos, dependendo da idade, e tudo vai ficando mais fácil.
A atitude que ajuda é ouvir a criança em sua angústia. Dizer que as frustrações são bem duras de aguentar e que você a compreende.
Tudo deve ser dito em linguagem que a criança entenda. Usar tom “de adulto” é cansativo, difícil e chato. E, claro, é importante conversar com a criança baixando até a altura dela.
#5. Limites: a moldura do quadro

A birra acontece porque as crianças ainda não têm maturidade suficiente para lidar com uma determinada frustração e acabam explodindo.
Na verdade, em algumas situações, as crianças estão testando o limite dos pais para descobrir até onde podem chegar.
Outras vezes, a birra é apenas um pedido de ajuda inconsciente para lidar com a frustração.
E quando adequadamente ajudada, a criança passa a suportar frustrações maiores.
Isso é de vital importância para o desenvolvimento de uma função: a satisfação imediata deve ser abandonada, de maneira que, adiando-a, pode-se conseguir posteriormente uma satisfação mais adequada.
A capacidade de adiar a satisfação, de tolerar uma demora na realização de um desejo, de desistir de um prazer imediato e talvez incerto em troca da certeza de um prazer posterior é um passo importante na humanização da criança.
#6. “O papel da frustração na aprendizagem e no desenvolvimento

A consequência é que privar a criança do desprazer é tão prejudicial quanto privá-la do prazer.
Prazer e desprazer tem um papel igualmente importante na formação do sistema psíquico e da personalidade. Coibir qualquer deles é transtornar o equilíbrio do desenvolvimento.
É por isso que criar os filhos de acordo com uma doutrina de permissividade indiscriminada leva a resultados deploráveis.
Nunca será demais destacar a importância da frustração para o desenvolvimento – afinal, é a própria natureza que a impõe.
Para começar, estamos sujeitos a imensa frustração de asfixia no nascimento, que força a substituição da circulação do feto pela respiração pulmonar.
As frustrações repetitivas e insistentes de sede e fome seguem-na. Elas forçam o bebê a tornar-se ativo, a procurar e incorporar comida (ao invés de receber passivamente comida do cordão umbilical), e a ativar e desenvolver a percepção.
O próximo passo principal é o desmame, que obriga à separação da mãe e a um crescente grau de autonomia. E assim, continua, passo a passo.
O que leva o educador moderno, o psicólogo infantil, o pai, a achar que podem evitar a frustração da criança?
A frustração está incorporada no desenvolvimento. É o mais potente catalisador da evolução de que dispõe a natureza. A natureza não está preocupada com a ética e aplica a pressão de frustração, de desprazer, implacavelmente.
Na criação moderna, a criança é comumente poupada das frustrações, que fazem o pai, o educador e o psicólogo se sentirem culpados. Na realidade, a preocupação deles não é tanto o bem-estar da criança, mas o desejo de evitar sentimentos de culpa, conscientes ou inconscientes.
O bem-estar da criança realmente requer frustração. Sem desprazer, sem esse grau de frustração que eu chamaria de adequado à idade, não é possível um desenvolvimento satisfatório da personalidade.
Na criança, no decorrer das relações normais mãe-filho, as situações em que o desprazer é imposto à criança e as frustrações resultantes são inúmeras e aumentam com a idade.
É como deve ser.
Não estou preconizando o castigo físico para a criança, quando falo de frustração. Estou me referindo às frustrações que ocorrem naturalmente durante a criação de uma criança e que podem ser evitadas apenas por permissividade irrazoável.
Em contato com essas frustrações que se repetem, a criança atinge, no decorrer dos primeiros anos, um grau crescente de independência e torna-se cada vez mais ativa em suas relações com o mundo exterior, animado ou inanimado.”
René A. Spitz, O Primeiro Ano de Vida. 1965.
Fontes:
1. Françoise Dolto. As etapas decisivas da infância. Martins Fontes, 2011
2. René A. Spitz. O primeiro Ano de Vida. Martins Fontes.
3. Cecília Meireles – Liberdade. Escolha seu sonho. Editora Record, 2002.
4. Fernando Pessoa – Eu Sou do Tamanho do que Vejo. O Guardador de Rebanhos – Poema VII.
5. Delas – Educação dos filhos. 12 dicas praticas para lidar com a birra.
6. Crescer – Birra de criança: tudo que você precisa saber sobre ela.
7. Educar para crescer – Como lidar com a birra?
8. Parenting: Temper Tantrums