A hora certa para retirar as fraldas da sua criança

#1. Um pouco de história

No início de 1900, as técnicas de treinamento de retirada de fraldas exigiam uma aptidão que o bebê ainda não tinha, transformando a criança em um participante passivo, adestrado.

Durante os anos 1920 e 1930, o adestramento e a programação rígida foram recomendados. Uma revista de 1929, chamada “Pais”, chegou a afirmar que a maioria dos bebês saudáveis ​​poderiam ser treinados com dois meses de idade!

Dá para acreditar?!

Por volta de 1940, os especialistas pediátricos começaram a defender que os pais esperassem para começar o treinamento de retirada de fraldas até que eles observassem sinais de prontidão no desenvolvimento dos seus filhos.

Eles acreditavam que a imposição do controle precoce e a programação rígida poderiam levar a problemas de comportamento no futuro.

No início de 1960, uma grande teoria sobre o treinamento de retirada de fraldas surgiu: a abordagem direcionada para crianças, desenvolvida por T. Berry Brazelton.

#2. Como é essa teoria?

A maioria das crianças consegue controlar seus intestinos e a sua bexiga entre dois e quatro anos de idade.

A maioria delas atinge o controle dos intestinos um pouco antes ou ao mesmo tempo que o controle da bexiga durante o dia; o controle do xixi noturno é atingido meses ou, até mesmo, um ano mais tarde.

Esta teoria sugere começar a retirada de fraldas somente após certo marcos fisiológicos e comportamentais de prontidão serem cumpridos. Ela salienta a importância de permitir à criança a liberdade para dominar cada passo em seu próprio ritmo, com o mínimo de conflito e pressão.

#3. Quando retirar as fraldas do meu filho?

Desenvolvimento – A realização dos seguintes marcos motores, de linguagem e sociais podem auxiliar no reconhecimento da prontidão:

● A capacidade de andar até o banheiro

● Estabilidade quando sentado no penico

● A capacidade de permanecer seco durante várias horas

● A capacidade de puxar a roupa para cima e para baixo

● As habilidades de linguagem que permitem à criança comunicar a necessidade de usar o banheiro

Comportamento – Além disso, sinais comportamentais específicos também auxiliam a identificar que a criança está pronta para começar. Eles incluem:

● Capacidade de imitar comportamentos

● Capacidade de colocar as coisas no lugar delas

● A demonstração de independência, dizendo “não”

● A expressão de interesse no banheiro e no uso do penico

● O desejo de agradar

● O desejo de independência e de controle das funções de eliminação

Muitas mudanças na vida de uma criança podem fazer a retirada de fraldas mais difícil e aumentar as chances de que não dê certo.

Alguns exemplos são o nascimento de um irmão, mudança para uma nova casa ou o retorno da mãe ao trabalho.

A constipação intestinal também deve ser tratada antes do início da retirada de fraldas.

Os pais devem entender que os acidentes são inevitáveis ​​e que a punição não tem nenhum papel durante o processo de tirada de fraldas.

Muitos pais, erroneamente, igualam o sucesso da retirada de fraldas com inteligência ou caráter, acreditando, assim, que a dificuldade em retirá-las signifique que seu filho esteja atrasado ou que seja preguiçoso, teimoso, hostil ou ainda que esteja desafiando a autoridade dos pais.

Nada disso é verdade.

O processo de retirada deve ser impulsionado pela motivação, interesse e aquisição de habilidades da própria criança.

Os pais, em nenhum momento, deveriam se sentir frustrados ou impacientes com relação a retirada das fraldas. Atitudes de reforço negativo, como punições e pressão, apenas dificultam o processo e podem deixar seqüelas.

#4. A retirada das fraldas:

A compra de um penico – O penico é mais fácil de usar do que os adaptadores que se colocam no vaso sanitário (também conhecidos como redutores) e permite que a criança esteja com os pés apoiados. Essa posição é necessária para que a criança consiga fazer a prensa abdominal adequada para a evacuação.

Acesso ao penico – O penico deve ser colocado em um local conveniente, de fácil acesso, de modo a ficar à disposição da criança nos momentos em que ela precisar dele.

Tornar-se confortável com o processo – A criança deve ser incentivada a folhear livros ou jogar com brinquedos enquanto está assentada no penico, se assim o quiser.

Fazer a associação – Os pais podem começar a fazer a ligação entre as eliminações e o penico ou vaso sanitário assim que perceberem que a criança está interessada nisso. Pode-se colocar a fralda suja ou fezes no penico e explicar para a criança que este é o propósito dele.

Prática e incentivo – A criança pode ser parabenizada quando consegue utilizar o penico por conta própria. Parte do interesse da criança em utilizá-lo vem do prazer de sentir que está adquirindo novas habilidades e se tornando mais independente. Por outro lado, os pais não devem ficar chateados ou punir quando ocorrem acidentes.

Transição para a o uso de roupas íntimas de algodão – A criança pode fazer a transição das fraldas às roupas íntimas de algodão depois de pelo menos uma semana de sucesso usando o penico. As crianças não devem ser apressadas nesse processo, muito menos devem ser forçadas a usar fraldas sujas por longos períodos de tempo como forma de punição. Elas devem voltar às fraldas se são incapazes de permanecer secas nesta fase.

#5. Sobre meninos e meninas

A capacidade de ficar sem fraldas, geralmente, acontece um pouco mais tarde para os meninos do que para as meninas.

Isso provém de que, para as meninas, o controle dos esfíncteres não tem relação com o genital, ao passo que, para o menino, a confusão permanece por mais tempo: ele não faz distinção entre uma micção e uma ereção.

Ele confunde necessidades e desejos localmente sugeridos na região genital.

#6. Algumas dicas para manter em mente:

● Adote uma abordagem positiva, amorosa para o processo de retirada de fraldas.

● Evite batalhas sobre o treinamento de retirada.

● Evite dar descarga no vaso sanitário enquanto a criança estiver sentada nele.

● Evite forçar a criança a retirar as fraldas se ela ainda não está pronta.

●Os meninos podem começar urinando no penico assentados em um primeiro momento; muitas vezes, os meninos só conseguem fazer o xixi em pé depois de um tempo de uso do penico.

●Para a retirada é fundamental que o intestino esteja funcionando bem. A constipação deve ser tratada para que o processo de retirada possa acontecer.

● As roupas íntimas só devem ser usadas depois que a criança já está conseguindo ficar seca e não está precisando mais das fraldas.

● A retirada das fraldas a noite acontece geralmente depois da retirada das fraldas durante o dia.

● Se a criança não se mostra pronta para ficar sem fraldas, o processo deve ser interrompido até que ela demonstre estar pronta para ele.

#7. Uma reflexão sobre o asseio:

“O sistema nervoso de um filhote humano não está completo em seu nascimento. Continua a desenvolver-se [durante a infância].

Pode-se dizer que uma criança possui o domínio de seus músculos voluntários quando pode subir e descer uma escada de mão. Enquanto a criança não subir e descer sozinha uma escada, é perigoso que ela ache certo reter sua matérias fecais e sua urina para dar prazer ao adulto.

Cumpre inculcar em nossos filhos, muito cedo, que não se vive, que não se cresce, que não se come, que não se domina o corpo para dar prazer ao adulto, mas para um prazer de conquista pessoal.

Mas, então, você perguntará, como agir?

É muito simples! A criança é guarnecida de fraldas, que trocamos [quando é necessário]. Por volta de um ano e meio ou dois anos, ou de dois anos e meio, conforme a criança, veremos aparecer nela o desejo de fazer seus excrementos como vê os outros ou os adultos fazerem.

A criança pedirá para ir ao banheiro.

Nesse momento, nós lhe explicaremos. Se a criança pede para fazer como o adulto, o que ocorrerá obrigatoriamente um dia, é muito fácil permitir-lhe ir sentar-se num penico que estará no banheiro à sua disposição.

Se a criança pedir, nós a faremos fazer, se a criança não pedir, continuaremos a trocar-lhe as fraldas.

O que é importante é jamais dizer à criança: “Como é sujo!”. Quando se tratar de uma evacuação que a criança tiver feito na fralda, é muito evidente que o adulto perceberá pelo cheiro.

Se a criança não fala disso, não fazemos alusão a ela; se a criança observar, e isso sempre acontece por volta de um ano e três meses, no mais tardar com um ano e meio, que há uma diferença entre xixi e cocô, falaremos disso e diremos: “Ela fez cocô, ela fez xixi”.

Se a criança falar do cheiro, falaremos dele com ela, mas, tudo isso, nunca com um matiz de condenação, nunca com um juízo de valor moral ou estético.

Deve-se, pura e simplesmente, fazer a criança compreender que isso não serve mais para nada, e que é porque não serve mais para nada que se joga fora os excrementos: mas não é porque os achamos feios, é porque não serve mais para nada.

É verdade que certos adultos, em nossa época, ainda crêem nessa concepção do bem e do mal.

É “mal” tudo o que é chamado de feio e sujo […] e não o que é prejudicial aos outros ou à própria pessoa. […] Assim, toda uma deformação do senso moral se origina na educação da tenra infância.

O ser humano não educado na disciplina dos excrementos (urina e fezes) fica disciplinado por necessidade. Simplesmente porque todos os mamíferos são continentes.

Ao contrário, o ser humano que teve uma disciplina imposta neste ponto, mais cedo do que ele sentia sua necessidade, pode apresentar, inclusive, verdadeiras neuroses obsessivas [no futuro].

Não há nenhuma vantagem educativa, só há vantagens de economia de trabalho para o adulto e de vaidade mal colocada, em que uma criança seja disciplinada para fazer seus excrementos mais cedo do que seria naturalmente.

Há, pelo contrário, muitos inconvenientes, pois essa educação requer que o adulto chame a atenção da criança para o ânus e a genitália e lhes dê, assim, um valor estético e moral – “bonito”, “bem” se a criança não se suja, “mal” se não toma cuidado -, de modo que essas regiões se tornam ocasiões de satisfação ou de desprazer para a criança, conforme as reações dos que a cercam.

Todos os distúrbios da sexualidade se complicam com sentimentos de inferioridade vinculados à feiura presumida das regiões genitais: ora, esses sentimentos, em todos os indivíduos que podemos estudar em profundidade, são vinculados a uma repugnância tirada da sua proximidade com o ânus e o canal urinário.

[Em resumo]:

É que a vida é mais forte do que qualquer educação: os instintos existem, não se pode ir contra eles. A verdadeira educação é precisamente aquela que permitirá à vida desenvolver-se sem obstáculos e à criança conhecer seus instintos para tornar-se senhora deles, e não prisioneira deles, nem da opinião alheia.”

Françoise Dolto

Fontes:

1. Teri Lee Turner, MEdKimberly Ballard Matlock. Toilet training. UpToDate.

2. Françoise Dolto. As etapas decisivas da infância. Martins Fontes. 1994

André Botinha

André Botinha

Pediatra especializado nos primeiros 1000 dias de vida, incluindo a gestação e os 2 primeiros anos.

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